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A Busca pela Resiliência e Maturidade nas Cadeias de Suprimentos: Uma Abordagem Estratégica
Como conquistar a resiliência em meio a cenários desafiadores como guerras, pirataria, terrorismo, secas, enchentes e a era da inteligência artificial? Será que o momento atual representa uma singularidade em nossa história?
Os desafios enfrentados pelas cadeias de suprimentos contemporâneas são de uma complexidade em constante crescimento, influenciada por um mundo cada vez mais interconectado. Nesse contexto, a resiliência nas cadeias de Suprimentos tem sido minuciosamente explorada sob perspectivas estratégicas, táticas e operacionais, considerando uma gama diversificada de eventos. Estes incluem não apenas desastres naturais, como tsunamis, incêndios, inundações, neve, chuva, furacões e terremotos, mas também intervenções humanas, como guerras, ataques terroristas, ataques marítimos, bloqueios, descontinuações de fornecedores, greves, falhas de equipamentos, acidentes industriais, grandes oscilações na oferta ou demanda, e crises geopolíticas.
A resiliência da cadeia de Suprimentos tem sido objeto de investigação ativa nos últimos anos, com uma ênfase notável nos países desenvolvidos. Contudo, é evidente uma lacuna em pesquisas dedicadas aos países em desenvolvimento, onde os riscos nas cadeias de suprimentos são intensificados pela carência de estruturas sociais, políticas e de recursos humanos. Ao explorar os riscos e interrupções nas cadeias de suprimentos percebemos um direcionamento de sua atenção para diversos segmentos industriais, incluindo agroalimentar, automotivo, químico e petroquímico, carvão, ajuda humanitária, eletrônica, energia, saúde, militar e varejo.
Nesse cenário complexo, a análise da resiliência nas cadeias de suprimentos torna-se crucial para enfrentar e superar obstáculos emergentes, garantindo uma gestão eficiente e eficaz diante de incertezas.
A necessidade de alcançar a resiliência nas cadeias de suprimentos é motivada por diversos fatores, representando um dos maiores desafios enfrentados pelos gestores. A resiliência está intrinsecamente ligada ao impacto de perturbações em uma cadeia de suprimentos e aos seus efeitos em cascata. Apresentamos três pontos cruciais em relação às cadeias de suprimentos resilientes:
- Perturbações Multifacetadas: As perturbações nas cadeias podem ocorrer em vários pontos da cadeia podendo ser nos fornecedores de primeiro nível a terceiro nível ou na distribuição aos clientes. A capacidade de identificar e responder a essas perturbações é fundamental para a resiliência.
- Sustentabilidade: A sustentabilidade é um objetivo valioso, a resiliência demanda estratégias específicas para enfrentar perturbações inesperadas. A sustentabilidade das operações de cadeia de suprimentos leva em consideração o ESG. (A sigla em inglês ESG representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa (Environmental, Social and Governance).
- Complexidade nas Cadeias Globalizadas: A complexidade da cadeia de suprimentos reside nos “nós” das cadeias globalizadas. Essas cadeias podem enfrentar eventos em vários países, independentemente de estarem ligados ou não interligados. A multiplicidade de nós, representados por transportadores, armazéns e estoques, contribui para a complexidade, demandando gestão cuidadosa.
A resiliência é destacada como uma vantagem do modelo de maturidade da cadeia de suprimentos. A falta de maturidade, por outro lado, é uma vulnerabilidade que as organizações devem superar.
O modelo de maturidade e complexidade da cadeia de suprimentos, proposto por Roque et al. (2019), enfatiza a necessidade de constante adaptação da cadeia de suprimentos, um organismo vivo suscetível a influências internas e externas.
A interligação entre resiliência e maturidade na cadeia de suprimentos desempenha um papel crucial na prevenção e redução dos danos decorrentes de perturbações. Apresentamos, assim, o Modelo de Maturidade com a alinhamento entre Resiliência e Maturidade da Cadeia de suprimentos como uma abordagem estratégica para alcançar uma gestão mais eficaz e resiliente diante dos desafios em constante evolução.
O modelo de maturidade e resiliência da cadeia de suprimentos é projetado para abranger todas as organizações em 13 construtos, conforme ilustrado na Figura 1. Cada construto compreende inúmeras características, aplicáveis tanto a pequenas quanto a grandes empresas. Reconhecemos que nem todas as características serão universais, pois o foco de cada empresa difere, afetando a identificação dessas características. Contudo, mesmo que algumas características estejam ausentes, os construtos permanecem presentes.
Figura 1 Modelo de Maturidade e Resiliência
O modelo define três estágios principais de maturidade:
- Estágio Inicial: Caracterizado pela aplicação ou desenvolvimento de um ou mais construtos, mesmo que a empresa não esteja plenamente consciente da maturidade, resiliência ou complexidade nas cadeias de suprimentos.
- Estágio Intermediário: A empresa reconhece a maturidade, resiliência ou complexidade nas cadeias de suprimentos e busca dominar um ou vários construtos.
- Estágio Avançado: A empresa alcança amplo domínio de competências e capacidades, utilizando construtos efetivamente como diferenciais competitivos. Tomada de decisões baseada em dados, reconhecimento de padrões de risco com ação imediata, gestão de riscos ativa em todos os níveis.
O Modelo de maturidade leva em consideração estágios ou níveis de maturidade: inicial, intermediário e avançado. Destacamos uma etapa entre os níveis chamada de pré-intermediário e pré-avançado, o estágio pré aparece quando não está consolidado um estágio de maturidade mostrando uma tendência de avanço ou não, já que os modelos de maturidade evoluem conforme o crescimento das habilidades e capacidades da organização de fazer a integração e conexão dos diversos sistemas e tecnologias disponíveis. Conforme apresentado por Roque Júnior et al.(2019), os modelos de maturidade são flexíveis, estão em constante mutação e adaptação conforme a complexidade do ambiente em que se encontra a cadeia de suprimentos, sendo o nível de maturidade ligado a essa complexidade, o que gera influência na maturidade e, ao mesmo tempo, a maturidade gera a influência na complexidade
O modelo serve como um guia estratégico, permitindo a criação de estratégias fundamentadas nos construtos (Figura 1), contribuindo para a construção simultânea de resiliência e maturidade organizacional. Este enfoque, destacado por Frederico et al. (2020), enfatiza o desenvolvimento a longo prazo, reconhecendo que a construção de capacidades resilientes demanda tempo. A sobrevivência efetiva da cadeia de suprimentos requer a combinação de resiliência e maturidade. Esse entendimento é integrado ao modelo, demonstrando que a resiliência é alcançada em paralelo ao desenvolvimento da maturidade.
Nossa análise contribui para a literatura e práticas existentes, oferecendo insights valiosos sobre os elementos críticos de resiliência e maturidade necessários para operar em um ambiente em constante mudança. Ao apresentar construtos integrados e uma visão holística das cadeias de suprimentos, o modelo fornece uma base robusta para blindar operações contra futuras disrupções, possibilitando uma recuperação rápida em casos de interrupções. Este modelo oferece visibilidade sobre as características, maturidade e resiliência subjacentes das cadeias de suprimentos. Para poder classificar a sua empresa em um determinado nível de forma qualitativa deve ser respondido as perguntas do questionário abaixo. Ao final do questionário na soma das respostas o que tiver a maior pontuação será o nível de maturidade, cada reposta é equivalente a 1 ponto. Objetivo de ser qualitativo é para facilitar o direcionamento, após identificado os pontos a ser melhorado é preciso montar um plano de ação alinhado a capacidade da empresa em executar para elevar a maturidade e a resiliência
Frente aos desafios complexos e em constante evolução que permeiam as cadeias de suprimentos, a busca pela resiliência e maturidade emerge como uma abordagem estratégica vital. Em um contexto global interconectado, onde eventos imprevisíveis, como guerras, fenômenos naturais e mudanças geopolíticas, podem impactar profundamente as operações, a necessidade de compreender e fortalecer essas cadeias torna-se imperativa.
Nossa análise detalhada revela lacunas notáveis nas pesquisas, especialmente quando voltamos a atenção para países em desenvolvimento, que enfrentam desafios amplificados devido à carência de estruturas sociais e políticas robustas. Ao explorar riscos e interrupções, destacamos três elementos cruciais: a multiplicidade de perturbações e a complexidade inerente às cadeias globalizadas.
O modelo proposto, enfocando o alinhamento entre resiliência e maturidade, oferece uma estrutura estratégica para organizações enfrentarem os desafios dinâmicos do ambiente de negócios. A subdivisão em estágios – inicial, intermediário e avançado – destaca a jornada evolutiva que as organizações podem percorrer para fortalecer suas cadeias de suprimentos. Além disso, a flexibilidade do modelo, incorporando estágios pré-intermediário e pré-avançado, reconhece a natureza mutável das cadeias de suprimentos e seu ambiente.
O modelo não apenas orienta estrategicamente, mas também ressalta a interdependência entre resiliência e maturidade. A ênfase na evolução de longo prazo destaca a importância do investimento contínuo no desenvolvimento de capacidades resilientes.
A combinação de resiliência e maturidade surge como o alicerce essencial para a sobrevivência efetiva das cadeias de suprimentos. Ao fornecer uma visão holística e integrada, o modelo oferece insights valiosos para aprimorar práticas existentes, capacitando organizações a operar com sucesso em um cenário dinâmico e desafiador. Para finalizar este artigo acreditamos que este modelo não apenas aprimora a compreensão acadêmica, mas também fornece uma ferramenta prática e orientadora para as empresas, permitindo a antecipação, prevenção e recuperação eficaz diante de perturbações, contribuindo assim para a resiliência e maturidade duradouras nas cadeias de suprimentos, algo essencial diante dos desafios diários que os profissionais estão enfrentando especialmente nos últimos cincos anos.
Dimensão | 1-Inicial | 2 Pré-intermediário | Estágio Intermediário | 4-Pré-avançado | 5-Estágio Avançado |
Para cada dimensão de Maturidade listada escolher apenas um estágio como alternativa de acordo com a realidade da organização. |
Dimensão | Características | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |||||
Agilidade e responsividade | Fazem parte da agilidade as habilidades de adaptação, antecipação, recuperação, restauradora, absorver, dispersão, adiamento, responsividade. Está associada à velocidade com a qual a cadeia de suprimentos responde às mudanças do ambiente, exigindo um atendimento em termos de volume e mix dos produtos fornecidos por ela. | ||||||||||
Ambientes | Refere-se às questões de regulamentação e incentivos de créditos que favorecem o melhor desempenho da cadeia de suprimentos, e sustentabilidade da cadeia de suprimentos. | ||||||||||
Capacidades e recursos | Está associada aos tipos de recursos empregados na cadeia de suprimentos, sendo eles comuns (necessários para execução dos processos dentro da cadeia) e competitivos (geram vantagem competitiva e são difíceis de serem empregados pelas cadeias concorrentes devido aos seus diferenciais), suporte alta gerência, foco, liderança, segurança e força financeira, capital social, capacidade de investimento, treinamentos dos colaboradores, capacidade de absorção, capacidade dinâmica, capacidade tecnológica, capacidades logísticas, comunicação, conhecimento, coordenação, custos, capacidade de desenvolvimento de produtos, serviços, resiliência, desenvolvimento verde, capacidade de eficiência coorporativa, capacidade de inovação, capacidade de integração, capacidade de antecipação, capacidade de preparação, capacidade de robustez, capacidades de adaptação as mudanças climáticas, capacidade de resposta rápida de emergência, capital humano, capacidade de decisão, seleção de fornecedores, capacidade tecnológica , desenvolvimento de fornecedores, capacidade para aprender, mão de obra qualificada e competente, compartilhamento de recursos para recuperação. | ||||||||||
Clientes | Está associada ao foco dado aos clientes dentro da gestão da cadeia como também ao nível de satisfação dos clientes. | ||||||||||
Colaboração | Refere-se ao compartilhamento de informações, ganhos e de recursos entre os membros da cadeia, comunicação e a outras iniciativas de atuação conjunta dentro da cadeia, como o desenvolvimento de produtos e planejamento; relações benéficas mútuas, colaboração está descrita de várias formas, destacamos essa habilidade como o compartilhamento de recursos, compartilhamento de conhecimento, estratégias e informações sobre riscos, integração entre empresas, governos, sociedade e organizações do terceiro setor chamadas de ONG, qualidade de relacionamento, previsão colaborativa, compartilhamento de riscos e receita, compartilhamento de informações, capacidade tecnológica entre parceiros, colaboração e coordenação entre as partes interessadas. | ||||||||||
Custo | Está associada ao nível de custos e estoques da cadeia de suprimentos, política de estoque, giro de estoque. | ||||||||||
Cultura de inovação e conhecimento | Aparece como cultura organizacional, cultura corporativa, cultura de gerenciamento de riscos e cultura colaborativa, comportamento organizacional, confiança, fatores de suporte aprendizado e o desenvolvimento comprometimento apresentando um fator chave na criação da resiliência. | ||||||||||
Foco estratégico | Refere-se à intenção estratégica que é dada à gestão da cadeia de suprimentos por parte da empresa-foco da cadeia e por parte de seus membros, as empresas apresentam inúmeras estratégia na criação da resiliência algumas delas são de fabricação e desenvolvimento de novos produtos, estratégias de enfrentamento, estratégicas concorrentes, estratégias de gerenciamento de mudanças, estratégias orientadas a dados, estratégias de desenho da cadeia de suprimentos, reengenharia da cadeia de suprimentos, reconfigurabilidade de sistemas, redundâncias de estoques, infraestrutura, localização, seguro, estratégia de tecnologia da informação, decisões e contratos de fornecimento, tratamento de trade-offs, orientação da cadeia de suprimentos, certificações, internacionalização. | ||||||||||
Flexibilidade | Flexibilidade de processo, flexibilidade de resposta, flexibilidade e gestão baseada no tempo, flexibilidade estratégica. | ||||||||||
Gestão | Está associada ao nível de excelência na gestão de projetos dentro da cadeia de suprimentos, gestão de riscos e, também, ao nível de consciência e capacitação de gestão de cadeia de suprimentos pela equipe de gestão, gestão de suprimentos e operações compras, manufatura, armazenagem, distribuição, atendimento ao cliente, gerenciamento do ciclo de vida do produto (PLM), agile, definição de metas, gestão de ativos. | ||||||||||
Medição de indicadores e desempenho | Está associada à extensão da medição do desempenho da gestão da cadeia de suprimentos. | ||||||||||
Processos | Otimização, integração, manufatura ágil, manufatura aditiva, manufatura baseada em nuvem, processos Lean. | ||||||||||
Tecnologia e ferramentas | Está associada à existência de sistemas de informação e ferramentas para apoio à gestão da cadeia, como ferramentas estatísticas para previsão de demanda e sistemas de informações para gestão da cadeia entre outros S&OP, CPFR, VMI, informação. Ferramentas para decisões baseadas em evidências. | ||||||||||
Visibilidade | A visibilidade da cadeia de suprimentos é composta de pôr um conjunto de ações, destacando análise preditiva, visibilidade de mercado, visibilidade do fornecedor, visibilidade tecnológica, construção de cenários. |
Fontes:
- Federico , GF e Martins , RA (2012), “Modelo de alinhamento entre a maturidade dos sistemas de medição de desempenho e a maturidade da gestão da cadeia de abastecimento”,Gestão e Produção, Vol. 857- 871,doi:10.1590/ s0104-530×2012000400014.
- Frederico , GF , Garza-Reyes , JA , Anosike , A. e Kumar , V. (2020), “Supply Chain 4.0: conceitos, maturidade e agenda de pesquisa”,Supply Chain Management, Vol. 25Nº 2, pp. 262-282,doi:10.1108/SCM-09-2018-0339.
- Roque Júnior, L.C, Frederico , GF e Costa , MLN (2019), “Maturidade e complexidade da gestão da cadeia de suprimentos: resultados de um estudo de caso em uma empresa de biotecnologia em saúde no Brasil”,International Journal of Logistics Systems and Management, Vol. 33Nº 1, pág. 1, doi:10.1504/IJLSM.2019.099658.
- Roque Júnior, L.C., Frederico, G.F., Costa, M.L.N., 2023. Maturity and resilience in supply chains: a systematic review of the literature. International Journal of Industrial Engineering and Operations Management 5, 1–25.. https://doi.org/10.1108/ijieom-08-2022-0035
Luiz Carlos Roque Junior
Com mais de 19 anos de experiência em Suprimentos e Logística, sou um profissional apaixonado e dedicado que busca constantemente a excelência e a inovação nas áreas de Gestão de Organizações, Liderança e Tomada de Decisão. Atualmente, coordeno os processos de suprimentos, negociação com fornecedores, compras nacionais, importação, comércio exterior, logística interna, movimentação de materiais, armazenagem, processamento de pedidos, distribuição, transporte e gerenciamento de informações logísticas no Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), uma referência nacional em pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia.