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Olá pessoal, Sophia Chain aqui. E como muitos compradores estratégicos que conheço — e respeito — também aprendi que tudo o que vai… volta. Mas poucos se perguntam: o que fazer com o que volta?
A logística reversa, para muitos, ainda é tratada como um detalhe. Um apêndice técnico, relegado às áreas ambientais ou operacionais. Para mim — e para os compradores como eu, que atuam com visão de futuro — ela é um dos maiores pontos cegos da cadeia de suprimentos. E justamente por isso, é onde mora uma das maiores oportunidades de transformação estratégica.
Transformar o fim em recomeço. Essa é a essência da logística reversa. Não como obrigação regulatória, mas como inteligência aplicada: com rastreabilidade, com mensuração de impacto e com potencial real de gerar vantagem competitiva.
O que é logística reversa — e por que ela importa tanto agora
Logística reversa não é reciclagem. É uma estrutura logística desenhada para trazer de volta aquilo que, até pouco tempo, era visto como fim de linha. Isso inclui embalagens, produtos com defeito, itens usados ou fora de validade, e até equipamentos com fim de vida útil.
E aqui vale destacar: reversa bem estruturada gera savings reais. Não se trata apenas de reduzir custos com matérias-primas — mas de evitar compras desnecessárias, reduzir o volume de resíduos pagos por descarte e gerar créditos ambientais ou fiscais.
O reaproveitamento planejado libera capital, enxuga estoques e melhora a eficiência da operação como um todo. Savings não é só preço menor. É custo evitado.
No papel, parece algo técnico. Mas para quem está no front das decisões, logística reversa é uma escolha tática com impacto direto em quatro áreas:
- Custos: cada reaproveitamento bem-feito reduz compras futuras.
- ESG: é onde a prática encontra o discurso.
- Fluxo de caixa: estoque parado ou devolvido impacta capital de giro.
- Reputação: uma empresa que sabe o que fazer com o que sobra inspira mais confiança que uma que só acumula.
O custo da omissão: quando o que volta vira prejuízo
Quando uma empresa ignora a logística reversa, ela faz três escolhas ruins:
- Perde dinheiro com material que poderia ser reaproveitado — seja por reuso, remanufatura ou reciclagem.
- Se expõe a sanções ambientais, penalidades fiscais e riscos reputacionais crescentes em mercados regulados.
- Deixa de capturar um diferencial competitivo que, se bem explorado, poderia ser fonte de inovação, crédito ambiental e fidelização do consumidor.
Mas não é só isso. A ausência de logística reversa fragiliza toda a estrutura de planejamento. A empresa perde visibilidade sobre seu ciclo de vida de produto, compromete previsibilidade de demanda futura e acumula estoques desnecessários.
E aqui entra um ponto que eu nunca deixo passar: o custo da reversa não está apenas no transporte de volta. Está na negligência. Na ausência de processo, de política, de rastreabilidade. Cada item que volta e não tem destino definido vira gargalo, desperdício, risco jurídico — e perda financeira não contabilizada.
Toda ausência de estratégia gera um excesso de despesa oculta. E essas despesas, ao contrário do que muita gente pensa, não aparecem no DRE. Elas corroem margem de forma silenciosa.
Compradores como eu sabem: custo invisível é o mais perigoso.
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Fonte: https://www.instagram.com/veolia_br/
8Tabela de perdas evitáveis
Material | Custo Unitário (R$) | Perda Estimada ao Ano (R$) | Reaproveitamento Possível (%) |
---|---|---|---|
Fios cirúrgicos | 5,00 | 709,84 | 90% |
Embalagens de papelão | 0,80 | 15.000,00 | 85% |
Blocos cerâmicos | 1,20 | 12.000,00 | 70% |
Compressas de gaze | 0,50 | 500,00 | 95% |
Componentes eletrônicos | 10,00 | 20.000,00 | 60% |
Esses dados destacam a importância de implementar práticas de logística reversa e gestão eficiente de materiais para minimizar perdas e maximizar o reaproveitamento, contribuindo para a sustentabilidade e a eficiência operacional das empresas.
Onde Compras entra? Em tudo.
Muita gente ainda acha que logística reversa é tema da sustentabilidade. Errado. Quem define as condições de retorno, prazo, rastreabilidade e destino dos insumos somos nós, de Compras.
Três importantes exigências para incluir nos contratos que envolvem produtos retornáveis:
- Capacidade de recolhimento estruturada.
- Destino rastreável e legal.
- Condições de reuso e reaproveitamento documentadas.
Além disso, influencio o time de produto a redesenhar embalagens e bens de consumo para facilitar desmontagem e remanufatura. É o tal Design for Reverse. Ou como costumo dizer:
“Não basta comprar bem. É preciso comprar já pensando no retorno.”
ESG e rastreabilidade: quando logística reversa vira reputação
Toda empresa quer ser ESG. Poucas sabem como. E menos ainda sabem como medir. A logística reversa é uma das poucas práticas ESG que deixam rastro claro: volume de resíduos tratados, % reaproveitado, redução de emissão, rastreabilidade documental.
Exija relatórios, sem exceção! Produto que vai, produto que volta — queremos rastrear ambos. Porque não basta dizer que é sustentável. Tem que provar.
7Indicadores de logística reversa ligados a ESG
Indicador | Valor / Exemplo Real | Fonte |
---|---|---|
% de materiais retornados | 97,4% das latas de alumínio recicladas em 2020 | gov.br |
% de reuso vs. descarte | 12 milhões de pneus reformados em 2019, promovendo o reuso | gov.br |
Toneladas de CO₂ evitadas | 155 mil toneladas de chumbo recicladas de baterias automotivas, evitando emissões | gov.br |
Créditos fiscais obtidos com reversa | Empresas podem adquirir créditos de logística reversa via plataformas como a Polen | Polen |
Modelos aplicáveis: como a reversa funciona na prática
Existem cinco modelos principais de logística reversa e cada um exige um desenho logístico específico:
61 – Pós-venda: trocas e devoluções por desistência ou defeito
A logística reversa no pós-venda é a mais comum — e, paradoxalmente, uma das menos estruturadas. Ela acontece quando o cliente devolve um produto por insatisfação, erro no pedido, desistência dentro do prazo legal ou defeito técnico. À primeira vista, parece apenas um processo de atendimento. Mas para quem está em Compras, esse é um ponto nevrálgico da cadeia de valor.
Cada devolução tem custo: transporte reverso, retrabalho, reembalagem, reprocessamento e, muitas vezes, descarte. Mas também tem valor — desde que exista um sistema capaz de absorver, classificar e direcionar esse retorno com inteligência.
Em empresas maduras, o pós-venda é tratado como um processo logístico com KPIs específicos: índice de reaproveitamento, tempo médio de reintegração em estoque, motivo de devolução por categoria e impacto no TCO (Total Cost of Ownership).
E mais: é no pós-venda que se revela a qualidade real da cadeia de fornecimento. Fornecedores com alto índice de defeitos geram mais devoluções, mais desperdício e menos eficiência. Por isso, eu — e compradores como eu — sempre exijo nos contratos cláusulas que cubram:
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Prazos de coleta e substituição;
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Custos logísticos reversos cobertos pelo fornecedor;
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Garantia estendida em casos críticos;
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Procedimento de triagem e reaproveitamento.
Porque, no fim, logística reversa no pós-venda não é só um processo de retorno. É um termômetro de qualidade, eficiência e maturidade da relação fornecedor-cliente.
52 – Pós-consumo: descarte pelo consumidor final — com ou sem incentivo
Diferente do pós-venda, o pós-consumo exige que a empresa vá além do seu portão. Aqui, o desafio não é lidar com um item recém-vendido, mas com um produto que cumpriu sua função, esgotou seu ciclo de uso — e agora precisa de um destino responsável.
É o consumidor quem decide o que fazer. E justamente por isso, a logística reversa no pós-consumo exige mais do que processos: exige estratégia, comunicação clara e, muitas vezes, incentivo.
Aqui entram os sistemas de coleta voluntária (PEVs), campanhas de devolução, programas de cashback ambiental, parceria com cooperativas e integração com plataformas de créditos de logística reversa. Em setores como eletroeletrônicos, baterias, pneus, medicamentos, agrotóxicos e embalagens, a legislação brasileira já impõe metas e obrigações específicas.
Como compradora, eu sei que a engrenagem só funciona quando a cadeia está comprometida de ponta a ponta. Por isso, ao negociar com fornecedores, inclua perguntas como:
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Este fornecedor participa de algum sistema de logística reversa coletiva?
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Existe rastreabilidade pós-consumo para os produtos fornecidos?
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Há comunicação clara ao consumidor final sobre como e onde descartar?
O pós-consumo bem estruturado traz benefícios difíceis de ignorar:
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Redução do passivo ambiental da empresa;
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Geração de créditos ambientais e fiscais;
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Posicionamento positivo da marca junto ao consumidor;
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Dados concretos para relatórios ESG.
E mais: ao desenhar produtos com retorno em mente — pensando no fim desde o início — empresas criam modelos circulares que se tornam verdadeiros diferenciais competitivos. Isso é mais do que logística. É visão de ciclo completo.
43 – Remanufatura: retorno de itens usados para reaproveitamento
Se reciclar é voltar à matéria-prima, remanufaturar é voltar à função. É dar novo uso a um item que já percorreu seu ciclo — sem precisar destruir tudo que ele é. E isso, para quem atua em Compras, muda completamente a lógica de custo, de abastecimento e de impacto ambiental.
Na prática, a remanufatura envolve o retorno de produtos desgastados ou fora de uso — como autopeças, equipamentos médicos, cartuchos, eletrodomésticos, componentes industriais — que são inspecionados, restaurados e devolvidos ao mercado com a mesma funcionalidade de um produto novo. Com uma diferença: custo significativamente menor e impacto ambiental drasticamente reduzido.
Mas atenção: remanufatura não é gambiarra industrial. É um processo técnico, controlado, padronizado. Empresas sérias seguem normas rígidas, como a ISO 8887, que garante qualidade e segurança ao processo de reaproveitamento.
Como compradora estratégica, quando avalio fornecedores com capacidade de remanufatura, olho para cinco critérios:
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Qual é o índice de reaproveitamento real por componente?
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O processo de remanufatura é rastreável, auditável e documentado?
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Há garantia técnica igual à de um produto novo?
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Qual é o ganho médio de custo por ciclo remanufaturado?
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E o mais importante: esse processo é escalável?
Remanufatura não é só uma prática sustentável. É uma estratégia de savings inteligente, que reduz pressão sobre o CAPEX, fortalece o pós-venda e cria novos fluxos de receita. Em cadeias industriais mais maduras, como automotiva e de tecnologia médica, já existem contratos de fornecimento estruturados com cláusulas específicas para retorno de peças e reaproveitamento em ciclos sucessivos.
Reavalie se em sua mesa de negociação, remanufatura pode entra como uma opção. Ela com certeza vai entrar como vantagem competitiva. Muitas vezes o que já foi usado não precisa ser descartado. Pode — e deve — voltar como ativo.
34 – Reciclagem: materiais reaproveitados após descaracterização
Reciclar é transformar. Diferente da remanufatura, que preserva a função do produto, a reciclagem quebra o item em seus componentes básicos — papel, plástico, vidro, metal — para que esses materiais possam ser reinseridos no processo produtivo.
Mas não se engane: reciclagem eficiente não é sobre jogar no container azul. É sobre inteligência de cadeia.
Na prática, a reciclagem só é viável quando o material é descaracterizado de forma controlada, segregado corretamente, e há um ecossistema logístico capaz de absorver, processar e realocar esse insumo. E é aqui que muitos processos falham: a empresa até gera resíduos recicláveis, mas não os trata como matéria-prima futura — trata como lixo de luxo.
Do ponto de vista de Procurement, o papel é claro: garantir que o que sai da empresa volte como valor, e não como custo.
Na minha atuação como compradora, eu busco identificar três pontos-chave em fornecedores e parceiros:
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Capacidade de descaracterização — o fornecedor tem estrutura para transformar o resíduo em insumo seguro e rastreável?
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Rota de reinserção — esse material volta para a cadeia da própria empresa ou é vendido com valor agregado?
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Transparência e documentação — há certificações, laudos e indicadores de volume reciclado?
E por que isso importa? Porque empresas que operam com alto volume de embalagens, resíduos industriais, insumos hospitalares ou sobras de produção têm uma fonte de savings e reputação nas mãos. A reciclagem estruturada:
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Reduz o custo com descarte final (aterros, incineração);
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Gera retorno financeiro com a venda de recicláveis;
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Novamente, mais importante: contribui diretamente para os indicadores ESG;
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Abre portas para parcerias com cooperativas e créditos ambientais.
No mundo ideal — e em algumas empresas mais avançadas — já trabalhamos com contratos de fornecimento que incluem cláusulas de recompra do resíduo reciclável. O fornecedor entrega, e depois paga para recolher o que sobrar, processar e revender. Isso fecha o ciclo. Isso é inteligência aplicada à logística reversa.
Reciclagem, quando bem gerida, não é só o fim responsável. É o começo de uma nova vantagem.
25 – Descarte controlado: para itens contaminantes ou perigosos

Nem tudo que retorna pode ser reaproveitado. Algumas categorias exigem tratamento especial — por risco à saúde, ao meio ambiente ou por exigência legal. É o caso de resíduos químicos, medicamentos vencidos, lâmpadas fluorescentes, baterias, eletrônicos contaminados, óleos lubrificantes, agrotóxicos e materiais hospitalares. Aqui, a logística reversa se encontra com o dever jurídico e ético da empresa.
Esse é o território do descarte controlado. E se tem uma coisa que aprendi ao longo da minha jornada como compradora é: o risco começa quando ninguém sabe para onde foi. O que não é rastreado vira passivo. E o que vira passivo, mais cedo ou mais tarde, vira escândalo.
Em setores regulados, a legislação já não permite margem: a Política Nacional de Resíduos Sólidos exige que empresas apresentem rotas de descarte com rastreabilidade e responsabilização compartilhada. E quem está em Compras — assim como eu — precisa estar à frente disso. Não basta confiar que o fornecedor “vai dar um jeito”. É preciso garantir:
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Contratos com empresas certificadas para coleta e destinação final;
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Documentos comprobatórios de transporte, descarte e tratamento;
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Auditorias periódicas dos prestadores de serviço ambiental;
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Clausulamento claro de responsabilidade solidária.
Além disso, é fundamental classificar corretamente os materiais. A diferença entre um resíduo classe I (perigoso) e classe II (não perigoso) impacta diretamente nos custos, na rota logística e no tipo de licença exigida. Já vimos empresas pagando caro por ignorar essa diferença — seja com multas, seja com danos à reputação.
Descarte controlado não é sobre dar fim. É sobre dar fim certo. Com responsabilidade, técnica e transparência.
Estratégia aplicada: o que um bom comprador pode começar a fazer agora
Se eu pudesse dar apenas um conselho: comece pequeno, mas comece certo. Aqui vão quatro estratégias que devemos aplicar em qualquer cenário:
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- Incluir cláusulas de logística reversa nos contratos. Não como apêndice, mas como parte central da negociação.
- Criar métricas de retorno e reaproveitamento com o fornecedor. KPIs claros, auditáveis e atrelados à bonificação.
- Colocar a reversa no centro das RFPs. Fornecedor que não coleta, rastreia e reaproveita, fica para trás.
- Atuar junto ao time de produto e operações. Porque quem redesenha, reaproveita melhor.
Inovação silenciosa: o impacto real de quem implementa
Já vi empresas transformarem uma simples devolução de pallet em vantagem competitiva. Ou usarem a rastreabilidade da reversa para obter créditos ambientais e fiscais. A reversa bem aplicada não aparece em outdoor — aparece no EBITDA.
Essa é a inovação que eu defendo: aquela que ninguém vê, mas todo mundo sente no resultado.
1O retorno mais valioso não é o do produto — é o da visão estratégica
A logística reversa é o elo entre a operação e o propósito. Entre o custo e o valor. Entre o hoje e o amanhã.
E se você atua em Compras, a pergunta que deve guiar sua estratégia é simples:
“O que eu compro hoje está pronto para voltar amanhã?”
Porque como eu sempre digo: “O melhor preço nem sempre é o menor custo. Quem compra certo, constrói vantagem.”
Fontes e Referências:
- ALEXANDER, Leonardo, et al. Procurement Book. 1ª edição. São Paulo: Adapt NextGen, 2024.
- https://www.linkedin.com/posts/leonardo-c-a118199_o-procurement-iceberg-o-que-as-pessoas-pensam-activity-7152857463040454656-diN9/?originalSubdomain=pt
- https://blognagarage.com.br/logistica-e-supply-chain/transformacao-digital-na-supply-chain/
- https://www.iso.org/standard/62047.html
- https://www.sema.am.gov.br/logistica-reversa/
- https://www.instagram.com/veolia_br/
- https://trackage.com.br/blog/logistica-reversa-e-esg/
- https://www.creditodelogisticareversa.com.br/