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Entrevista com Matheus Rodrigues
Entrevista com Matheus Rodrigues – Loft Head Finance SSC
PERGUNTA 1
BNG: O mundo ainda está se recuperando dos efeitos da pandemia da Covid-19, e ainda há muita incerteza devido ao cenário econômico local e internacional.
Como você acha que o Profissional de Compras deve atuar para evitar rupturas na cadeia de suprimentos?
MATHEUS RODRIGUES: Não existe mais lugar para um profissional de compras passivo. Aquele profissional que se limitava a receber sua demanda, fazer três cotações, negociar um “descontinho” e emitir a Ordem de Compra, ficou no passado.
Quem não se atualizou, ou não se atualizar, ou já está fora de mercado ou muito em breve estará. O Comprador precisa ter algumas características fundamentais, como visão holística para estar ligado em tudo que acontece no mercado, indicadores, política, economia, etc. que possa afetar sua linha de compra e a empresa em que atua.
O comprador também precisa saber usar ferramentas estratégicas como Análise de Porter e Pestal. Quem soube utilizar bem essas duas ferramentas conseguiu antever a crise do Covid-19 e garantir a não ruptura da sua esteira de compras/supply.
Entendo ainda, que o Comprador precisa ser altamente comunicativo e colaborativo, para atuar de maneira horizontal na cia, influenciando requisitantes, financeiro, produção, marketing e demais áreas da organização.
Nós somos, via de regra, a porta de entrada do mercado externo. Precisamos fincar a bandeira de provedores de soluções, inovações e, também, sermos referência em antevisão e planejamento de demanda.
Essas são apenas algumas características de um bom comprador, ainda existem diversas outras.
PERGUNTA 2
BNG: Ainda falando de pandemia, nos anos de 2020 e 2021, Compras assumiu o protagonismo nas negociações com fornecedores evitando impactos financeiros ainda maiores para as empresas. Você tem notado o Compras mais estratégico a partir desse episódio?
MATHEUS RODRIGUES: Tanto o líder perspicaz como os analistas competentes sempre conseguiram fazer de compras uma área estratégica.
Concordo que a Pandemia acelerou sim o processo de digitalização, muitas empresas passaram a entender a necessidade de um e-Procurement, de uma cadeia de fornecimento monitorada em real time e de constituir parcerias estratégicas que garantam o funcionamento da sua linha de produção.
Mas, me lembro que ainda em 2011, no auge da indústria de O&G, eu atuava como Comprador SR do escopo de Elétrica no Estaleiro BrasFELS em Angra, um cenário de abundância financeira e muito antes de se falar em pandemia.
Naquela época, trouxe o time de Compras para um patamar estratégico dentro da companhia negociando um acordo global de fornecimento de algumas linhas de elétrica, fazendo com que a matriz em Cingapura passasse a utilizar material fabricado no Brasil, tornando o contrato mais vantajoso para o estaleiro, para o fornecedor e para o cliente final, pois a plataforma iria operar no Brasil, resultando um acesso mais rápido e barato para itens de reposição/reparo.
Ser estratégico depende muito mais do profissional e da liderança do que de um recorte de momento na história.
E se não viesse a Pandemia, Compras seria ainda back office? Como diz o Léo da PG: “Somos front office!”. E pra mim, sempre fomos.
PERGUNTA 3
BNG: Estamos vivendo a chamada Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial onde as tecnologias para automação, Internet das Coisas e Computação em Nuvem vêm ocupando cada vez maior espaço nas organizações.
Como você tem percebido esse crescimento dentro de Suprimentos e quais os benefícios percebidos?
MATHEUS RODRIGUES: Já estamos vivendo essa quarta revolução há uns 5 anos ou até mais. Quem ainda acha que está vindo, certamente não dura mais do que alguns meses empregado.
Dentro de Suprimentos essas tecnologias chegam para alavancar de vez nosso papel estratégico, tomando do comprador a rotina operacional diária e dando o recurso mais escasso na vida de qualquer pessoa: tempo.
Com o suporte de softwares de e-Procurement, de dashboards automatizados em Power BI, Tableau ou qualquer outra ferramenta de BI, com auxílio de IA e RPA no dia-a-dia de homologação, captação de propostas, leilão reverso etc., blockchain para contratos e, finalmente, com a junção dessas tecnologias em um time de Suprimentos best in class, você terá tempo para ser estratégico[a], para impulsionar os macro objetivos da sua companhia e impactar de verdade e, de forma bem relevante, no resultado financeiro e na experiência do seu cliente interno, externo e fornecedores.
Mas, para isso, você precisa ser/ter uma liderança comprometida em tornar cada vez mais a adoção dessas tecnologias, algo essencial para o sucesso da sua área e da sua empresa.
Do contrário: hora de trocar de emprego!
PERGUNTA 4
BNG: Outro conceito que chegou para ficar é o ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) e Compras tem relação direta com a implantação e manutenção dos seus princípios nas empresas e fornecedores.
O que o Profissional de Compras deve fazer para se adaptar a essa realidade e trazer frutos para sua carreira?
MATHEUS RODRIGUES: Uma coisa me chamou atenção de forma muito positiva na pergunta, a expressão “chegou para ficar”. Tenho visto muitos fóruns, lives, artigos etc. falando em tendência ESG.
Que fique claro, ESG não é uma tendência, é uma realidade. Essa realidade veio para alterar a dinâmica de como se faz negócios. Para se ter ideia, existem já diversos fundos de investimento que aplicam em empresas com iniciativas claras de ESG.
Existem também Fundos de Venture Capital destinados a aportar somente em Startups que estejam ligados a causas ESG. E qual o papel de Compras nesse contexto?
É central! Nós somos a principal alavanca para que essas iniciativas sejam cada vez mais implementadas, nós somos responsáveis por criar ressonância dos princípios ESG. Somos nós que lidamos diariamente com fornecedores e, por isso, precisamos levar esses valores para eles.
Na Loft criamos o Selo Loft ESG no nosso processo de homologação de fornecedores, definindo um ranking no qual a gente avalia o fornecedor com base em suas respostas para que ele seja homologado ou não para fornecer a nós.
Não basta a Loft ser ESG, inclusive já fomos premiados pela EXAME na categoria de Construção Civil, precisamos levar nossos valores para os nossos fornecedores. E, também não basta somente não homologar, tem que ajudar o fornecedor que teve pontuação baixa a se desenvolver, a alcançar uma nota alta.
Isso é criar ressonância, isso é ser estratégico.
- De que adianta você conseguir um saving extraordinário que vai direto para o P&L da cia e depois descobrir que comprou de uma empresa que pratica trabalho escravo? Infantil?
- Que suborna autoridades para conseguir certificações?
- Que sonega imposto?
- Que despeja seus resíduos tóxicos em nascentes, rios ou no mar?
O risco para a imagem da sua cia e o impacto para as gerações futuras vai ofuscar qualquer saving que você consiga, isso se não comprometer o seu emprego, a sua carreira.
PERGUNTA 5
BNG: A Loft é uma startup brasileira que atua no mercado imobiliário utilizando intensivamente tecnologia e inovação em suas operações.
Como funciona o departamento de Compras da Loft quando comparado com empresas tradicionais?
MATHEUS RODRIGUES: Existem sempre essa expectativa quanto as empresas de tecnologia terem um processo de Compras altamente digitalizado e tecnológico.
Na Loft usamos tecnologia de ponta para atender aos nossos clientes e parceiros. Mas, como toda Startup, ainda estamos digitalizando os processos financeiros.
Temos nosso ERP funcionando e estamos trabalhando incansavelmente junto com o time de Innovations, que cuida de toda a parte de tecnologia para nosso time, buscando cada vez mais usar IA e RPA em nossos processos de ponta a ponta.
Eu sempre digo ao time que a tecnologia é a alavanca que vai permitir que nós tenhamos cada vez mais um olhar mais estratégico do que operacional para nosso dia-a-dia e nosso business.
A tecnologia vai permitir que a gente possa dedicar full attention para nossos clientes internos, fornecedores e mercado.
Mas, posso te dizer que temos sim alguns diferenciais se comparado com grandes cias, ou as mais tradicionais como você perguntou.
Nosso time é ambidestro, temos a capacidade de executar e ao mesmo tempo planejar o futuro, temos a habilidade de trabalhar de maneira que nós mesmos sejamos capazes de tornar nosso trabalho obsoleto antes que o mercado o faça.
Aqui somos altamente colaborativos, centrados em nossos clientes e flexíveis. Temos um mindset lean, buscando cada vez mais reduzir fricções e prover a melhor experiência para clientes internos, externos, parceiros e fornecedores da Loft.
Somos inconformistas, não damos chance alguma a algo que eu gosto de chamar de “Sindrome de Gabriela”, usando como referência a clássica obra do brilhante escritor Jorge Amado. Aqui não tem “eu nasci assim, eu cresci assim e vou morrer assim”.
Não nos permitimos ouvir ou falar coisas como “sempre foi assim, pra que mudar?”.
A inovação está na mudança, na tentativa e erro, no processo de aprendizagem, temos uma cultura muito forte de lições aprendidas no time.
Como somos colaborativos, não deixamos que outro colega cometa um erro que já cometemos, pois sempre dividimos nossas falhas na nossa Weekly, uma seção que chamamos carinhosamente de #caguei. A disrupção é consequência. Aqui a gente aproveita a jornada, o resultado vem naturalmente.
PERGUNTA 6
BNG: Que dica você pode deixar para os leitores do Blog Na Garage para que possam ter sucesso na carreira em Compras, Logística e Supply Chain?
MATHEUS RODRIGUES: Estudem, leiam livros, artigos, blogs, façam cursos de soft skill e de hard skills também, participem de eventos, fóruns, palestras, busquem incansavelmente conhecimento. Sejam sedentos por aprender, desaprender e reaprender.
Quem não se atualiza fica para trás. O mercado está impetuoso com profissionais desatualizados, que não fazem uma pós, um MBA, uma especialização e etc.
Pensem fora da caixa, não façam somente cursos ligados a Compras, Supply ou Logística. Não leiam somente livros, blogs, artigos ligados à nossa área, não participem somente de eventos dedicados a Compras, Supply e Logística.
Nós somos possivelmente a área mais horizontal de qualquer companhia em qualquer ramo. Por isso, precisamos entender de negócios, precisamos entender de finanças, de marketing, de produto, de satisfação do cliente [UX, Customer Success ou como a sua empresa chame], engenharia, canais de distribuição, etc.
Você saberia explicar em 3 minutos como sua empresa ganha dinheiro? Se não, você precisa conhecer melhor seu negócio.
Precisamos ser embaixadores da nossa marca, promotores do nosso produto. Isso agrega conhecimento e agrega vantagem competitiva em mesas de negociação. Se eu puder indicar três livros, aqui vai:
1] Dedique-se de coração, Howard Schultz
2] A regra é não ter regras, Erin Meyer & Reed Hastings
3] Líderes se servem por último, Simon Sinek [esse para quem é líder ou deseja ser].
Para quem gosta de série, Suits tem valorosos insights de negociação. Billions tem de flexibilidade e capacidade de adaptação.
Para quem prefere filmes, A Grande Aposta traz uma grande lição de visão holística, perseverança e resiliência.
No mais, mantenha-se em movimento e constante aprendizado.
Executivo de Supply Chain com especialização em projetos de Petróleo e Gás, projeto em MBA de Gestão de Suprimentos, Logística e Supply Chain e Mentor de Carreira para Profissionais de Compras.